quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Perguntas e Respostas

1. O que sabemos realmente sobre Jesus?

De Jesus de Nazaré temos mais e melhor informação do que sobre a maioria das personagens do seu tempo. Dispomos de tudo o que as testemunhas da sua vida e da sua morte nos transmitiram: tradições orais e escritas sobre a sua pessoa – entre as quais se destacam os quatro evangelhos – que foram transmitidas na realidade da comunidade de fé viva que ele estabeleceu e que continua até aos dias de hoje.
Esta comunidade é a Igreja, composta por milhões de seguidores de Jesus ao longo da história, que o conheceram pelos dados que, sem interrupção, lhes transmitiram os primeiros discípulos. Os dados que aparecem nos evangelhos apócrifos, bem como os que aparecem noutras referências extra bíblicas, não contribuem com nenhuma informação substancial, além da que nos oferecem os evangelhos canónicos tal como foram transmitidos pela Igreja.

Até à Ilustração, crentes e não crentes estavam convencidos de que o que podíamos conhecer sobre Jesus estava contido nos evangelhos. No entanto, por serem relatos escritos com uma perspectiva de fé, alguns historiadores do século XIX questionaram a objectividade dos seus conteúdos. Para estes estudiosos, os relatos evangélicos eram pouco credíveis porque não continham o que Jesus fez e disse, mas aquilo em que acreditavam os seguidores de Jesus, uns anos depois da sua morte. Como consequência disto, durante as décadas seguintes e até meados do século XX levantou‑se o problema da veracidade dos evangelhos e chegou a afirmar-se que de Jesus “não podemos saber quase nada” (Bultmann).

Actualmente, com o desenvolvimento da ciência histórica, os avanços arqueológicos, e um maior e melhor conhecimento das fontes antigas, pode-se afirmar com palavras de um conhecido especialista do mundo judeu do século I d.C. – a quem não se pode classificar propriamente de conservador – que “podemos saber muito de Jesus” (Sanders). Este mesmo autor, por exemplo, assinala “oito factos inquestionáveis”, do ponto de vista histórico, sobre a vida de Jesus e sobre as origens cristãs: 1) Jesus foi baptizado por João Baptista; 2) era um galileu que pregou e fez curas; 3) chamou discípulos e disse que eram doze; 4) limitou a sua actividade a Israel; 5) manteve uma controvérsia sobre o papel do templo; 6) foi crucificado fora de Jerusalém pelas autoridades romanas; 7) após a morte de Jesus, os seus seguidores continuaram a formar um movimento identificável; 8) pelo menos alguns judeus perseguiram alguns grupos do novo movimento (Gl 1, 13.22; Fl 3, 6) e, provavel­mente, esta perseguição durou no mínimo até perto do fim do ministério de Paulo (2 Co 11, 24; Gl 5, 11; 6, 12; cf. Mt 23, 34; 10, 17).

Sobre esta base mínima em que os historiadores estão de acordo, podem determinar-se como fidedignos, do ponto de vista histórico, os outros dados contidos nos evangelhos. A aplicação dos critérios de historicidade sobre estes dados permite estabelecer o grau de coerência e probabilidade das afirmações evangélicas, e que, o que se contém nesses relatos, é substancialmente certo.

Por último, convém recordar que o que sabemos de Jesus é fiável e credível porque os testemunhos são dignos de credibilidade e porque a tradição é crítica consigo mesma. Além disso, o que a tradição nos transmite resiste à análise da crítica histórica. É certo que das muitas cosas que se nos transmitiram só algumas podem ser demonstráveis pelos métodos empregados pelos historiadores. No entanto, isto não significa que as não demonstráveis por estes métodos não aconteceram, mas que só podemos ter dados sobre a sua maior ou menor probabilidade. E não esqueçamos, por outro lado, que a probabilidade não é determinante. Há acontecimentos muito pouco prováveis que sucederam historicamente. O que sem dúvida é verdade é que os dados evangélicos são razoáveis e coerentes com os dados demonstráveis. Seja como for, é a tradição da Igreja, em que estes escritos nasceram, a que nos dá garantias da sua fiabilidade e a que nos diz como interpretá-los.


Bibliografia: A. Vargas Machuca, El Jesús histórico. Un recorrido por la investigación moder­na, Universidad Pontifica de Comillas, Madrid 2004; J. Gnilka, Jesús von Nazareth. Botschaft und Geschichte, Herder, Freiburg 1990 (ed. esp. Jesús de Nazaret, Herder, Barcelona 1993); R. Latourelle, A Jesús el Cristo por los Evangelios. Historia y hermenéutica, Sígueme, Salamanca 1986; F. Lambiasi, L 'autenticità storica dei vangeli. Studio di criteriologia, EDB, Bologna 1986.

2. O que foi a estrela do Oriente? 

A estrela do Oriente é mencionada no evangelho de S. Mateus. Uns magos perguntam em Jerusalém: “Onde está o Rei dos Judeus que acaba de nascer? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para o adorar” (Mt 2, 2).

Os dois capítulos iniciais dos evangelhos de S. Mateus e de S. Lucas narram algumas cenas da infância de Jesus, pelo que se costumam denominar “evangelhos da infância”. A estrela aparece no “evangelho da infância” de S. Mateus. Os evangelhos da infância têm um carácter ligeiramente diferente ao do resto do evangelho. Por isso estão cheios de evocações a textos do Antigo Testamento que dão grande significado aos gestos. Neste sentido, a sua historicidade não se pode examinar da mesma maneira que a do resto dos episódios evangélicos. Dentro dos evangelhos da infância, há diferenças. O de S. Lucas é o primeiro capítulo do evangelho, mas em S. Mateus é como que um resumo dos conteúdos de todo o texto. A passagem dos Magos (Mt 2, 1‑12) mostra que uns gentios, que não pertencem ao povo de Israel descobrem a revelação de Deus através do seu estudo e dos seus conhecimentos humanos (as estrelas), mas não chegam à plenitude da verdade senão através das Escrituras de Israel.

No tempo em que foi composto o evangelho era relativamente normal a crença de que o nascimento de alguém importante ou de algum acontecimento relevante se anunciava com um prodígio no firmamento. Dessa crença participava o mundo pagão (cf. Suetónio, Os doze Césares, Augusto, 94; Cícero, De Divinatione 1, 23, 47; etc.) e o judeu (Flávio Josefo, As Guerras Judaicas, 5, 3, 310‑312; 6, 3, 289). Além disso, o livro dos Números (22-24) recolhia um oráculo em que se dizia: “De Jacob vem uma estrela, em Israel se levantou um ceptro” (Nm 24, 17). Esta passagem interpretava-se como um oráculo de salvação sobre o Messias. Nestas condições, oferecem o contexto adequado para entender o sinal da estrela.

A exegese moderna perguntou que fenómeno natural podia ter ocorrido no firmamento, que fosse interpretado pelos homens daquele tempo como extraordinário. As hipóteses que se deram são sobretudo três: 1) Kepler (séc. XVII) falou de uma estrela nova, uma supernova (trata-se de uma estrela muito distante, que explode de tal modo que, durante umas semanas, emite mais luz e é perceptível da terra); 2) um cometa, pois os cometas seguem um percurso regular, mas elíptico, à volta do sol (na parte mais distante da sua órbita não são perceptíveis a olho nu, mas se estão próximos podem ver-se durante algum tempo).

Também esta descrição coincide com o que se assinala no relato de Mateus, mas a aparição dos cometas conhecidos que se vêm da terra, não coincide com as datas da estrela; 3) Uma conjunção planetária de Júpiter e Saturno. Também Kepler chamou a atenção para este fenómeno periódico, que, se não estamos enganados nos cálculos, pode muito bem ter ocorrido nos anos 6 ou 7 antes da nossa era, quer dizer, naqueles em que a investigação mostra que nasceu Jesus.

Bibliografia: A. Puig, Jesús. Una biografía, Destino, Barcelona 2005; S. Muñoz Iglesias, Los evangelios de la infancia. IV, BAC, Madrid 1990; J. Danielou, Los evangelios de la infancia, Herder, Barcelona 1969.


3. Por que se celebra o nascimento de Jesus a 25 de Dezembro?

Os primeiros cristãos não parece que celebrassem os seus dias de nascimento (cf., por ex., Orígenes, PG XII, 495). Celebravam o dies natalis, o dia da sua entrada na pátria definitiva (por ex., Martírio de Policarpo 18, 3), como participação na salvação operada por Jesus, ao vencer a morte com a sua paixão gloriosa. Recordam com precisão o dia da glorificação de Jesus, o 14/15 de Nisan, mas não a data do seu nascimento, de que nada nos dizem os dados evangélicos.

Até ao século III não temos notícias sobre a data do nascimento de Jesus. Os primeiros testemunhos dos Padres e escritores eclesiásticos assinalam diversas datas. O primeiro testemunho indirecto de que o nascimento de Cristo fosse a 25 de Dezembro oferece-o Sexto Júlio Africano no ano 221. A primeira referência directa à sua celebração é a do calendário litúrgico filocaliano do ano 354 (MGH, IX, I, 13-196): VIII kal. Ian. natus Christus in Betleem Iudeae (“a 25 de Dezembro nasceu Cristo em Belém da Judeia”). A partir do século IV os testemunhos deste dia como data do nascimento de Cristo são comuns na tradição ocidental, enquanto que na tradição oriental prevalece a data de 6 de Janeiro.

Uma explicação bastante difundida é a de que os cristãos optaram por esse dia porque, a partir do ano 274, se passou a celebrar em Roma a 25 de Dezembro o dies natalis Solis invicti, o dia do nascimento do Sol invicto, a vitória da luz sobre a noite mais longa do ano. Esta explicação apoia-se no facto da liturgia do Nascimento e os Padres da época estabelecerem um paralelismo entre o nascimento de Jesus Cristo e expressões bíblicas como «sol de justiça» (Ml 3, 20) e «luz do mundo» (Jo 1, 4ss). No entanto, não há provas de que fosse assim e parece difícil imaginar que os cristãos daquela época quisessem adaptar festas pagãs ao calendário litúrgico, especialmente porque até há bem pouco tempo tinham sofrido a perseguição. É possível, não obstante, que com o correr do tempo, a festa cristã fosse absorvendo a pagã.

Outra explicação mais plausível faz depender a data do nascimento de Jesus da data da sua encarnação, que por sua vez se relacionava com a data da sua morte. Num tratado anónimo sobre solstícios e equinócios afirma-se que “Nosso Senhor foi concebido a 8 das kalendas de Abril no mês de Março (25 de Março), que é o dia da paixão do Senhor e o da sua concepção, pois foi concebido no mesmo dia em que morreu” (B. Botte, Les Origenes de la Noël et de l'Epiphanie, Louvain 1932, l. 230-33). Na tradição oriental, apoiando-se noutro calendário, a paixão e a encarnação do Senhor celebram-se a 6 de Abril, data que coincide com a celebração do Nascimento a 6 de Janeiro.

A relação entre paixão e encarnação é uma ideia que está em consonância com a mentalidade antiga e medieval, que admirava a perfeição do universo como um todo, onde as grandes intervenções de Deus estavam vinculadas entre si. Trata-se de uma concepção que também encontra as suas raízes no judaísmo, onde criação e salvação se relacionavam com o mês de Nisan. A arte cristã reflectiu esta mesma ideia ao longo da história ao pintar, na Anunciação da Virgem, o Menino Jesus descendo do céu com uma cruz. Assim, é possível que os cristãos vinculassem a redenção operada por Cristo com a sua concepção, e esta determinasse a data do nascimento. “O mais decisivo foi a relação existente entre a criação e a cruz, entre a criação e a concepção de Cristo” (J. Ratzinger, Introdução ao espírito da liturgia).

Bibliografia: Josef Ratzinger, Der Geist der Liturgie. Eine Einfuhrung, Herder, 2000 (ed. port. Introdução ao espírito da liturgia, Paulinas, Lisboa 2001); Thomas J. Tolley, The origins of the liturgical year, 2nd ed., Liturgical Press, Collegeville, MN 1991.

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