segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Consagrados: Amados e eleitos de Deus



Escolher é uma das mais usuais ações que realizamos todos os dias. Sempre que alguém faz uma escolha, significa que, ao escolher uma das opções que se lhe é apresentada, contemporaneamente, renuncia às demais possibilidades, afim de poder possuir o objeto de sua eleição. Tal gesto é muito significativo, pois coloca a realidade da escolha como sendo uma ação com dupla consequência: a posse de algo e a renúncia de todo o resto. Obviamente que existem diversos tipos e graus de escolha, que variam de acordo com as condições e características de cada realidade e pessoa. Uma coisa é escolher o lugar que se vai sentar na Igreja durante a celebração, que pode ser mudado com facilidade pelos mais variados motivos; outra diferente é a escolha da faculdade que se deseja fazer, que também pode ser mudada, mas que não contará com a mesma facilidade da mudança anterior; outra é a escolha da pessoa com quem se deseja viver a vida matrimonial, amando-a ternamente e eternamente, enquanto houver respiro de vida nos pulmões, a qual não se muda ou troca, porque se baseia em um desígnio divino e se fundamenta no amor recíproco.

Assim sendo, fica simples enxergar que a única realidade capaz de fundar uma escolha para sempre é o amor, visto que apenas o amor é para sempre e apenas ele forma o coração para aceitar as renúncias definitivas pela escolha que não se deixa estragar ou deteriorar. Tal é o moção que dá sentido à escolha feita por aqueles e aquelas que se consagram a Deus na Igreja.

A vida consagrada é o sublime resultado de duas escolhas livres: a de Deus que chama, e a da pessoa que é chamada e responde alegremente. “Na simplicidade do meu coração, alegre, vos dei tudo aquilo que tenho” (Antífona, do Ofício de Leituras, sábado da 1ª Semana do Saltério). Quando escolhemos as coisas em nosso dia-a-dia, somos sempre influenciados e condicionados nesse processo, pois sempre fazemos nossas escolhas com base em algo que nos atrai ou que nos causa repulsa, nos levando ao seu contrário. Deste ponto de vista, podemos dizer que nossas escolhas não são totalmente livres, entendendo liberdade como ausência de condicionamentos, o que implica que mesmo nossas escolhas podem sofrer alterações, e podemos acabar nos permitindo mudar o objeto de nossa eleição. Ao mesmo tempo, a escolha feita por Deus não pode sofrer tal alteração, pois Deus, no ato de escolher, escolhe sem nenhum condicionamento, uma vez que ele é eterno e pleno em si mesmo; tal possibilidade faz com que sua escolha seja sempre definitiva, sem razões para ser alterada. Desta forma, quando o consagrado é escolhido por Deus, deve ter certeza que ele nunca mudará tal eleição, a mesma é eterna, infindável, indestrutível, inalterável. Um consagrado é alguém que o Senhor escolheu de forma plenamente livre e livremente amorosa. Só o inexprimível amor de Deus pode explicar a escolha dos consagrados. “Ao ouvir dizer: ‘Não fostes vós que me escolhesses’ (Jo 15, 16), que devemos pensar? Que éramos maus e fomos escolhidos para nos tornarmos bons pela graça de quem nos escolheu. A graça não teria razão de ser se os méritos a precedessem. Mas a graça é graça. Não encontrou méritos, foi a causa dos méritos. Vede, caríssimos, como o Senhor não escolhe os bons mas escolhe para fazer bons” (Santo Agostinho, Comentário ao Evangelho de São João, P.L. 3, 1851-1853).

Ser consagrado a Deus, nesta ótica, implica ser dedicado totalmente e exclusivamente a ele, visto que de tantas possibilidades, o Senhor escolheu justamente os que escolheu e não outros. Isto não quer significar de forma alguma uma acepção de pessoas feita por Deus, muito pelo contrário, significa que Deus cuida de cada um de forma individual, particular, mesmo vendo-nos todos dentro de sua incalculável família. Uma eleição feita com tanto amor só pode ser atendida e correspondida no amor. Por isso os consagrados respondem de forma amorosa ao chamado de Deus em seus corações para estarem com ele e serem sempre sua companhia mais agradável, maiormente dedicada e imensamente carinhosa.

Sim, carinho faz parte da vida consagrada, assim como em qualquer vocação, com a diferença de que os mais tenros e generosos gestos de carinho são destinados ao Senhor que os elegeu e, por causa dele, todos os demais atos carinhosos são perfumados com o odor suave do amor divino que emana salvação por onde quer passe um consagrado do Senhor.

Longe da caricatura grotesca que as mídias e o imaginário popular pintam, a vida consagrada é uma vida cheia de amor e alegria, obviamente não como tais características da existência humana são delineadas em nossos dias, falsas e privadas de sentido, avessas à realidade do sofrimento e apegadas apenas aos prazeres sem compromisso. A verdadeira vida feliz consiste em amar sempre sem nunca desejar deixar de fazê-lo, ainda que as circunstâncias externas praticamente o exijam. Sempre há motivos para amar a Deus. E os consagrados sabem disso muito bem. “Pela sua natureza, a vida consagrada é peregrinação do espírito, em busca de uma Face que ora se manifesta e ora se oculta: ‘Faciem tuam, Domine, requiram’ (Sl 26, 8). Seja este o anseio constante do vosso coração, o critério fundamental que orienta o vosso caminho, tanto nos pequenos passos quotidianos, como nas decisões mais importantes, não vos unais aos profetas de desventura, que proclamam o fim ou a insensatez da vida consagrada na Igreja dos nossos dias; pelo contrário, revesti-vos de Jesus Cristo e muni-vos das armas da luz — como exorta são Paulo (cf. Rm 13, 11-14) — permanecendo acordados e vigilantes” (Bento XVI, Homilia no dia 02 de fevereiro de 2013).

Podemos concluir dizendo que a vida consagrada é um presente de amor do nosso Senhor, tanto para os que trazem gravado em seus corações com letras de chumbo este chamado, seja para todos os demais filhos amados de Deus, pois ela mostra quão longe pode ir um coração apaixonado pelo Senhor, quão feliz se pode ser ao seu lado e quanto se pode fazer felizes os outros apenas com a presença singela, basta pertencer sem reservas ao Cristo para, assim, trazê-lo consigo sempre e em todo lugar, qual luz que ilumina até a mais escura das noites.

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