segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O que mandais fazer de mim?




Vontade própria. Eis uma dos maiores tesouros que guardamos conosco. Dificilmente algo nos é tão caro e precioso quanto a possibilidade de decidir por nós mesmos o que fazer, quando fazer, como fazer e quando deixar de fazer. Isso porque o poder de decisão é sempre algo muito cobiçado, seja em nossa vida particular, seja em ambientes comuns, quais aquele corporativo, o qual estimula os empregados a irem além em suas competências com o intuito de crescer na cadeia empresarial e conseguir cargos de chefia. 

Mas diante de tal realidade uma pergunta surge quase que naturalmente: para que? Isso mesmo, para que tornar-se chefe? Para que comandar? O que existe de tão fascinante no poder que atrai tantos e consegue impulsionar tantos em sua busca, quase como se não houvesse mais nada o que desejar e almejar?

Facilmente podemos encontrar as respostas às perguntas acima observando o quanto somos ligados à nossa vontade própria. Esta nos confere uma sensação única de liberdade acima de qualquer outra, isto é, quando podemos fazer o que queremos sem empecilhos, sentimo-nos como se então, e só então, fossemos capazes de degustar a autêntica liberdade de ir e vir, como se nos tornássemos donos de nós mesmos, possuidores da própria vida e existência, imunes à interferência de outras pessoas, enfim, como se assumíssemos o primeiro lugar em nossas vidas. Tal desejo nada mais é que um manifesto da vontade soberana sobre a existência humana.

Esta vontade soberana tem conseguido dominar a vida dos homens e mulheres do nosso tempo como – talvez – nunca se tenha visto até hoje. O homem moderno não admite limites em sua vontade, superando barreiras históricas e míticas. Obviamente devemos ver o dedo de Deus no progresso humano científico. Assim como no mito de Ícaro e Dédalo, onde pai e filho escapam do perigo com a ajuda da inteligência e habilidade manual, vemos que esta mesma inteligência humana conduz o homem a ir além de suas limitações, conseguindo não apenas voar longas distâncias mas até mesmo chegar a outros planetas do universo, estuda-los, compreende-los. Mas constatamos também que, infelizmente, tal inteligência vem sendo usada pelos homens como meio de subverter a própria natureza criada boa por Deus, produzindo longevidade e bem estar às custas do sofrimento dos mais pobres e da morte dos mais indefesos. Isto nunca poderá ser visto como progresso. Desta forma, como no mito, o homem se coloca muito acima do que poderia, e corre o risco de ter suas asas derretidas.

Eis a sentença divina que coroa a criação: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn 1, 26). Ao determinar que o homem fosse feito à sua imagem e semelhança, o Criador lhe dá também uma vontade, como a sua. Facilmente se pode usar esta verdade para afirmar que então o homem deveria usar de sua vontade em modo soberano, como Deus. O que se esquece com facilidade, é que a vontade divina é sim soberana, mas o é porque também é sábia, boa, amorosa, verdadeira, reta, simples, justa. Mas mesmo que a vontade humana atingisse todas estas características ela nunca seria soberana com a de Des, pois a vontade divina é eterna, o que a humana nunca poderia ser. A vontade humana existe em dependência da vontade divina e direcionada a esta, não o contrário como hoje se deseja fazer acreditar.

Para dar uma demonstração a mais de sua sabedoria infinita e sublimidade de sua vontade, o Senhor do Universo quis, soberanamente, fazer-se servo dos homens por ele criados, contra ele voltados para que fossem nele redimidos. Nosso Senhor Jesus Cristo assume a natureza humana, fraca e limitada, tomando sobre si o mal que dominara a alma dos homens e mulheres de todos os tempos desde Adão e Eva, primeiros a desejar a soberania da vontade humana, para que, através do seu rebaixamento e aniquilação, estes conquistassem a verdadeira liberdade e a verdadeira vida. “Ele, ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; ele, maltratado, não proferia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça. Carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro para que, mortos aos nossos pecados, vivamos para a justiça. Por fim, por suas chagas fomos curados (Is 53,5). Porque éreis como ovelhas desgarradas, mas agora retornastes ao Pastor e guarda das vossas almas” (1Pd 2, 23-25).

A verdadeira grandeza e dignidade do homem não está em ser maior e mais poderosos do que os demais, nem muito menos em ser igual a Deus – ou superior. O ser humano já possui uma grandeza sua própria em ser semelhante ao Criador como nenhuma outra criatura. Tal sabedoria que assim dispôs a vida humana, dispôs também que o homem fosse salvo pelo Verbo feito carne, humilhado pelo homem soberbo e exaltado pelo Deus rico em humildade e bondade. É depositando nossas vidas nas santas mãos deste Deus sublime que encontraremos a paz que desejamos e a liberdade a que somos destinados.





“Soberana Majestade
E Sabedoria Eterna,
Caridade a mim tão terna,
Deus uno, suma Bondade,
Olhai que a minha ruindade.
Toda amor, vos canta assim:
Que mandais fazer de mim?
Vossa sou, pois me criastes,
Vossa, porque me remistes,
Vossa, porque me atraístes
E porque me suportastes;
Vossa, porque me esperastes
E me salvastes, por fim:
Que mandais fazer de mim?”

(Santa Teresa de Jesus, Poesias, II)

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