quarta-feira, 8 de março de 2017

O outro é um dom.



O tempo da Quaresma é um momento privilegiado de conversão e mudança de vida para todos os cristãos. Toda a Igreja se une neste tempo para caminhar junta na esperança de chegar a uma mais intensa vida de santidade de seus tão numerosos filhos. Cada um de nós deve empenhar-se neste projeto comum de transformação espiritual, para que nossa vida seja sempre mais uma oferta agradável a Deus que suba ao trono divino junto com as orações de todos os santos (cf. Ap 8, 4). Nosso objetivo é nobre e simples ao mesmo tempo, pois além da bondade natural que possuímos, dada por Deus na criação, também contamos com todas as graças particulares que recebemos de sua infinita misericórdia para que não sucumbamos ao combate mas que lhe saiamos vitoriosos.
Em sua mensagem para esta Quaresma de 2017, o Santo Padre Francisco nos exorta a viver a vida cristã da forma mais genuína e autêntica possível neste mundo dominado por interesses mesquinhos, onde os homens que mais poderiam ajudar os outros se contentam em usar todos os meios disponíveis para triunfar sobre os demais, sem nunca se sentirem realmente contentes de tudo o que possuem.

O Santo Padre parte de um princípio fundamental para nos conduzir pelos caminhos do Evangelho da caridade, nos indicando a estrada do outro como manifestação de Deus. Partindo da parábola do rico e de Lázaro, onde vemos a opulência do rico sem nome e a miséria do pobre cujo nome significa ‘Deus ajuda’ o Papa assim escreve: “Lázaro ensina-nos que o outro é um dom. A justa relação com as pessoas consiste em reconhecer, com gratidão, o seu valor. O próprio pobre à porta do rico não é um empecilho fastidioso, mas um apelo a converter-se e mudar de vida. O primeiro convite que nos faz esta parábola é o de abrir a porta do nosso coração ao outro, porque cada pessoa é um dom, seja ela o nosso vizinho ou o pobre desconhecido”.

O grande objetivo da conversão é aprender e ser mais capaz de amar a Deus sobre todas as coisas, que no fundo, é a linha mestra de todo o comportamento humano, visto que por Deus fomos criados e para ele somos chamados a caminhar. Mas tal comportamento só se torna algo verdadeiramente humano, isto é, não automático, não robótico nem artificial, quando somos capazes de envolve-lo com o amor autêntico que nasce da experiência com o Senhor e se torna fonte de vida espiritual para aquele que o encontrou, ou melhor, que se deixou encontrar. Tendo isso compreendido, podemos então acolher com maior clareza e simplicidade as palavras de exortação que nos dirige o Espírito Santo por meio do Apóstolo João quando escreve: “Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4, 20). Claro, podemos nos esconder atrás de tantas desculpas que somos habituados a criar desde tenra idade para nos escusarmos da falta de amor para com o próximo dizendo que nunca odiamos ninguém, e que o ódio não faz parte de nossas vidas. Mas para aquele que deve suportar nossas indiferenças não existe diferença entre o ódio e nossa falta de amor fraterno.

“O outro é um dom” nos afirmava o Papa. Somos chamados a, nesta Quaresma, realizar a verdadeira conversão do coração como nos pede veementemente a Palavra de Deus “O jejum que me agrada porventura consiste em o homem mortificar-se por um dia? Curvar a cabeça como um junco, deitar sobre o saco e a cinza? Podeis chamar isso um jejum, um dia agradável ao Senhor? Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? - diz o Senhor Deus: É romper as cadeias injustas, desatar as cordas do jugo, mandar embora livres os oprimidos, e quebrar toda espécie de jugo. É repartir seu alimento com o esfaimado, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir os maltrapilhos, em lugar de desviar-se de seu semelhante. Então tua luz surgirá como a aurora, e tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se; tua justiça caminhará diante de ti, e a glória do Senhor seguirá na tua retaguarda” (Is 58, 5-8).

Desejamos a nossa conversão, pois ela desagrada a Deus e fere seu amorosíssimo coração, mas devemos nos recordar que esta conversão passa através da mudança da nossa humanidade, para que seja mais humana. Só assim a divindade, que não se recusou a assumir nossa fragilidade, poderá nos colocar dentro de sua grandeza e nos conceder a alegria sem fim dos eleitos de Deus.

“Queres honrar o Corpo de Cristo? Então não O desprezes nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres no templo com vestes de seda, enquanto O abandonas lá fora ao frio e à nudez. Aquele que disse: ‘Isto é o Meu Corpo’ (Mt 26, 26), e o realizou ao dizê-lo, é o mesmo que disse: ‘Porque tive fome e não Me destes de comer’ (cf. Mt 25, 42); e também: ‘Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a Mim que o deixastes de fazer’ (Mt 25, 45)”. (São João Crisóstomo, Homilia sobre o Evangelho de São Mateus, 50, 3-4).

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