segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Perguntas e Respostas


7. Jesus nasceu em Belém ou em Nazaré?

São Mateus disse, de maneira explícita, que Jesus nasceu em “Belém de Judá, no tempo do rei Herodes” (Mt 2, 1; cf. 2, 5.6.8.16) e o mesmo referiu São Lucas (Lc 2, 4.15). O quarto evangelho menciona-o de uma maneira indirecta. Gerou-se uma discussão a propósito da identidade de Jesus e “uns diziam: «Este é verdadeiramente o Profeta».
Outros diziam: «Este é o Messias». Alguns, porém, diziam: «Porventura é da Galileia que há-de vir o Messias? Não diz a Escritura que o Messias há-de vir da descendência de David e da aldeia de Belém, donde era David?»” (Jo 7, 40‑42). O quarto evangelista serve-se aqui de uma ironia: ele e o leitor cristão sabem que Jesus é o Messias e que nasceu em Belém. Alguns oponentes a Jesus querem demonstrar que Ele não é o Messias dizendo que, para sê-lo, teria nascido em Belém e, pelo contrário, eles sabem (pensam saber) que nasceu em Nazaré. Este procedimento é habitual no quarto evangelho (Jo 3, 12; 6, 42; 9, 40-1). Por exemplo, quando a mulher samaritana pergunta: “És Tu, porventura, maior do que o nosso pai Jacob?” (Jo 4, 12). Os ouvintes de João sabem que Jesus é o Messias, Filho de Deus, superior a Jacob, de modo que a pergunta da mulher era uma afirmação dessa superioridade. Portanto, o evangelista prova que Jesus é o Messias, inclusivamente com as afirmações dos seus oponentes.

Este foi o consenso comum entre crentes e investigadores durante mais de 1900 anos. Contudo, no século passado, alguns investigadores afirmaram que Jesus é considerado em todo o Novo Testamento como “o nazareno” (aquele que é, ou que provém de Nazaré) e que a referência a Belém como lugar do nascimento não passa de uma invenção dos dois primeiros evangelistas, que revestem Jesus com uma das características que, naquele momento, se atribuíam ao futuro Messias: ser descendente de David e nascer em Belém. O certo é que uma argumentação como esta não prova nada. No século I diziam-se bastantes sobre o futuro Messias e que não se cumprem em Jesus, mas, tanto quanto sabemos – apesar do que possa parecer (Mt 2, 5; Jo 7, 42) – não parece que a do nascimento em Belém tenha sido umas das que se invocaram mais frequentemente como prova. É antes preciso pensar de modo contrário: é pelo facto de Jesus, que era Nazaré (ou seja, tendo sido criado lá), ter nascido em Belém que os evangelistas descobrem nos textos do Antigo Testamento que se cumpre n´Ele essa qualidade messiânica.

Todos os testemunhos da tradição confirmam, além disso, os dados evangélicos. São Justino, nascido na Palestina por volta do ano 100 d.C., menciona, uns cinquenta anos mais tarde, que Jesus nasceu numa gruta próxima de Belém (Diálogo 78). Orígenes também dá testemunho disso (Contra Celso I, 51). Os evangelhos apócrifos testemunham o mesmo (Pseudo-Mateus, 13; Proto evangelho de Tiago, 17ss; Evangelho da infância, 2-4).

Em resumo, o parecer comum dos estudiosos de hoje, é que não há argumentos fortes para ir contra o que afirmam os evangelhos e nos foi transmitido por toda a tradição: Jesus nasceu em Belém da Judeia no tempo do rei Herodes.


Bibliografia: A. Puig, Jesús. Una biografía, Destino, Barcelona 2005; J. González Echegaray, Arqueología y evangelios, Verbo Divino, Estella 1994; S. Muñoz Iglesias, Los evangelios de la infancia. IV, BAC, Madrid 1990.


8. Onde e como nasceu Jesus?

Dois evangelistas, Mateus e Lucas dizem-nos que Jesus nasceu em Belém (ver a pergunta: Jesus nasceu em Belém ou em Nazaré?). Mateus indica-nos o lugar, mas Lucas acrescenta que Maria, depois de dar à luz o seu filho, “reclinou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 7). A “mangedoura” indica que no sítio onde nasceu Jesus se guardava gado. Lucas assinala também que o menino no presépio será, para os pastores, o sinal de que ali tinha nascido o Salvador (Lc 2, 12.16). A palavra grega que emprega para “hospedaria” é katályma. Designa um lugar espaçoso das casas, que podia servir de salão ou quarto de hóspedes. No Novo Testamento utiliza-se outras duas vezes (Lc 22, 11 e Mc 14, 14) para indicar a sala onde Jesus celebrou a última ceia com os seus discípulos. Possivelmente, o evangelista quer assinalar com as suas palavras que o lugar não permitia preservar a intimidade do acontecimento. Justino (Diálogo com Trifão 78) afirma que nasceu numa gruta e Orígenes (Contra Celso 10, 51) e os evangelhos apócrifos referem o mesmo (Proto‑evangelho de Tiago 20; Evangelho árabe da infância 2; Pseudo-Mateus 13).

A tradição da Igreja transmitiu desde muito cedo o carácter sobrenatural do nascimento de Jesus. Santo Inácio de Antioquia, por volta do ano 100, afirma-o dizendo que “ao príncipe deste mundo foram ocultados: a virgindade de Maria e o seu parto, bem como a morte do Senhor. Três mistérios portentosos realizados no silêncio de Deus” (Ad Ephesios 19, 1). Nos finais do século II, Santo Ireneu assinala que o parto foi sem dor (Demonstratio Evangelica 54) e Clemente de Alexandria, conhecendo já os apócrifos, afirma que o nascimento de Jesus foi virginal (Stromata 7,16). Num texto do século IV atribuído a São Gregório Taumaturgo diz-se claramente: “ao nascer (Cristo) conservou o seio e a virgindade imaculados, para que a inaudita natureza deste parto fosse para nós o sinal de um grande mistério” (Pitra, “Analecta Sacra”, IV, 391). Os evangelhos apócrifos mais antigos, apesar do seu carácter extravagante, preservam tradições populares que coincidem com os testemunhos acima assinalados. A Odes de Salomão (Ode 19), a Ascensão de Isaías (cap. 14), o Proto‑evangelho de Tiago (cap. 20-21) e o Pseudo‑Mateus (cap. 13) referem que o nascimento de Jesus esteve revestido de um carácter milagroso.

Todos estes testemunhos reflectem uma tradição de fé que foi sancionada pelos ensinamentos da Igreja e que afirma que Maria foi virgem antes do parto, no parto e depois do parto: “O aprofundamento da fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria (cf. DS 427), mesmo no parto do Filho de Deus feito homem (cf. DS 291; 294; 442; 503; 571; 1880). Com efeito, o nascimento de Cristo «não diminuiu, antes consagrou a integridade virginal» da sua Mãe (LG 57). A Liturgia da Igreja celebra Maria como a ‘Aeiparthenos’, a «sempre Virgem»“ (cf. LG 52) (Catecismo da Igreja Católica, n. 499).


Bibliografia: Catecismo da Igreja Católica; J. González Echegaray, Arqueología y evangelios, Verbo Divino, Estella 1994; S. Muñoz Iglesias, Los evangelios de la infancia, BAC, Madrid 1990; F. VARO, Rabí Jesús de Nazaret, BAC, Madrid 2005.

9. Jesus era solteiro, casado ou viúvo?

Os dados que conservam os evangelhos dizem-nos que Jesus desempenhou o seu ofício de artesão em Nazaré (Mc 6, 3) e que, quando tinha trinta anos, iniciou o seu ministério público (Lc 3, 23). Durante o tempo em que o exerce, há algumas mulheres que o seguem (Lc 8, 2-3) e outras com as quais mantém amizade (Lc 10, 38-42). Ainda que em nenhum momento se nos diga que foi um homem solteiro, casado ou viúvo, os evangelhos referem-se à sua família, à sua mãe, aos seus “irmãos e irmãs”, mas nunca à sua “mulher”. Este silêncio é eloquente. Jesus era conhecido como o “filho de José” (Lc 3, 23; 4, 22; Jo 2, 45; 6, 42) e, quando os habitantes de Nazaré se surpreendem com os seus ensinamentos, exclamam: “Não é Este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós as Suas irmãs?” (Mc 6, 3). Em nenhum lugar se refere que Jesus tivesse tido ou tivesse uma mulher. A tradição jamais falou de um possível matrimónio de Jesus. E fê-lo, não por considerar a realidade do matrimónio deformadora da figura de Jesus (que foi quem restituiu ao matrimónio a sua dignidade original, Mt 19, 1-12) ou incompatível com a fé na divindade de Cristo, mas simplesmente porque se conformou com a realidade histórica. Se tivesse querido silenciar os aspectos que podiam tornar-se comprometedores para a fé da Igreja, porque razão transmitiu que João Baptista, que administrava o baptismo para a remissão dos pecados, baptizou Jesus? Se a primitiva Igreja tivesse querido silenciar o matrimónio de Jesus, porque razão não omitiu a presença de mulheres concretas entre as pessoas que se relacionavam com ele?

Apesar disto, têm-se vindo a difundir alguns argumentos que sustentam que Jesus esteve casado. Essencialmente, é apresentada a favor de um matrimónio de Jesus, a prática e a doutrina comum dos rabinos do século I da nossa era (para o suposto matrimónio de Jesus com Maria Madalena, ver “Que relação teve Jesus com Maria Madalena?”). Como Jesus foi um rabino e o celibato era inconcebível entre os rabinos da época, tinha de ser casado (ainda que houvesse excepções, como o Rabi Simeão ben Azzai, que, ao ser acusado de permanecer solteiro, dizia: “A minha alma está enamorada da Torá. Outros podem levar o mundo para diante”, Talmude da Babilónia, b. Yeb. 63b). Por isso afirmam alguns, que Jesus, como qualquer judeu piedoso, ter-se-ia casado aos vinte anos e depois teria abandonado a mulher e os filhos para desempenhar a sua missão.

A resposta a esta objecção é dupla:

1)       Existem dados que confirmam que no judaísmo do século I se vivia o celibato. Flávio Josefo (As Guerras Judaicas 2.8.2 &120-21; Antiguidades Judaicas 18.1.5 &18-20), Filão·(numa passagem conservada por Eusébio, Prep. evang. 8, 11.14) e Plínio, o Velho (História natural 5.73, 1-3) informam-nos que havia essénios que viviam o celibato, e sabemos que alguns de Qumran eram celibatários. Também Filão (De vita contemplativa) assinala que os “terapeutas”, um grupo de ascetas do Egipto, viviam o celibato. Além disso, na tradição de Israel, algumas personagens famosas, como Jeremias, tinham sido celibatários. O próprio Moisés, segundo a tradição rabínica, viveu a abstinência sexual para manter a sua estreita relação com Deus. João Baptista tão pouco se casou. Portanto, sendo o celibato pouco comum, não era algo inaudito.

2)       Ainda que ninguém tivesse vivido o celibato em Israel, não deveríamos assumir, por isso, que Jesus seria casado. Os dados, como se disse, mostram que quis permanecer solteiro, e são muitas as razões que tornam plausível e conveniente essa opção, precisamente porque o ser solteiro sublinha a singularidade de Jesus em relação ao judaísmo do seu tempo e está mais de acordo com a sua missão. Manifesta também que, sem subestimar o matrimónio nem exigir o celibato aos seus seguidores, a causa do Reino de Deus (cf. Mt 19, 12), o amor de Deus e a Deus que Ele encarna, está acima de tudo. Jesus quis viver o celibato para significar melhor esse amor.


Bibliografia: A. Puig, Jesús. Una biografía, Destino, Barcelona 2005; J. Gnilka, Jesús von Nazareth. Botschaft und Geschichte, Herder, Freiburg 1990 (ed. esp. Jesús de Nazaret, Herder, Barcelona 1993).

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